“O jardim dos caminhos que se bifurcam”, Jorge Luis Borges
O jardim de
caminhos que se bifurcam é uma enorme charada, ou parábola, cujo tema é o
tempo; essa causa recôndita proíbe-lhe a menção desse nome. Omitir sempre uma palavra, recorrer a metáforas
ineptas e a perífrases evidentes, é quiçá o modo mais enfático de indicá-la. É
o modo tortuoso que preferiu, em cada um dos meandros de seu infalível romance,
o oblíquo Ts’ui Pen. Confrontei centenas de manuscritos, corrigi erros que a
negligência dos copistas introduziu, conjurei o plano desse caos, restabeleci, acreditei
restabelecer, a ordem primordial, traduzi a obra toda: consta-me que não usa
uma só vez a palavra tempo. A
explicação é óbvia: O jardim de caminhos
que se bifurcam é uma imagem incompleta, mas não falsa, do universo tal
como o concebia Ts’ui Pen. Diferentemente de Newton e de Schopenhauer, seu
antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em
infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos
divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam,
se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos
na maioria desses tempos; nalguns existe o senhor e não eu. Noutros, eu, não o
senhor; noutros, os dois. Neste, que um acaso favorável me surpreende, o senhor
chegou a minha casa; noutro, o senhor, ao atravessar o jardim, encontrou-me
morto; noutro, digo estas mesmas palavras, mas sou um erro, um fantasma. (...)
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