terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

entrevista de Tunga a Folha de São Paulo


Tunga faz performance com moscas e girinos


da Folha de S.Paulo, no Rio. 17 de maio de 2006

No próximo sábado, o artista plástico Tunga rege uma sinfonia, que será executada por sete bailarinos, 40 estudantes de biologia, 600 rãs, 2 mil girinos, 40 mil moscas e milhares de larvas. Trata-se de "Laminadas Almas", peça que foi apresentada pela primeira vez há dois anos, em São Paulo, na galeria Millan Antonio, e chega ao Rio, 14 anos após outra mostra significativa do artista na cidade.

Um dos artistas com maior prestígio internacional --uma peça sua no Louvre foi vista por 4 milhões de pessoas, no ano passado--, ele transforma a exposição também num ato político ao apresentá-la num espaço fora do circuito das artes plásticas, um galpão no Jardim Botânico, que recentemente tornou-se Centro Tom Jobim, bancada por sua galeria, a Millan Antonio.




Performance inclui moscas e girinos
Na nova versão de "Laminadas Almas", Tunga, 54, cria três espaços: o primeiro onde bailarinos que trabalham com a coreógrafa Lia Rodrigues incorporam moscas e rãs, o segundo onde dois cientistas, os irmãos Thiago e Matheus Rocha Pitta, representam a vontade do saber, em meio a viveiros de rãs, moscas e larvas, e o terceiro, um comentário sobre a metamorfose, com os estudantes.

Com dois livros a serem lançados em breve, Tunga conversou com a Folha, no Jardim Botânico, em meio à confusa montagem de sua obra. Falou de política, censura e, obviamente, arte:

Folha - Realizar essa peça no Jardim Botânico, fora do circuito institucional da arte no Rio, é uma atitude política?

Tunga - É uma atitude política positiva e negativa. Positiva porque a inserção dessas peças no Jardim Botânico alcança um público que vem desarmado para esse tipo de exposição. E há um diálogo entre os temas que abordo e aquilo que se pode chamar de um jardim, que é um fato cultural.

Agora, o outro lado disso é de fato uma posição de crítica às instituições que aqui estão. Não há uma exposição minha há muito tempo no Rio. Claro que ninguém é obrigado a fazer exposição minha, mas de uma forma ou de outra meu trabalho vem apresentando uma forma de pensar do Brasil mundo afora e seria normal que o público daqui tivesse acesso a esse modo de pensar. Tenho intenso diálogo com a arte emergente e me dei conta que a maioria deles não tinha estado em contato efetivo com meu trabalho e eu gostaria de estabelecer um diálogo entre minha obra e a obra deles.

Folha - E isso não é função das instituições culturais?

Tunga - Sim, claro. As instituições culturais não têm um programa cultural claro. Elas têm uma estratégia cultural velada, sórdida e perversa, na maioria dos casos. Não é preciso ser perspicaz para lembrar que há dois ou três anos um trabalho do Nelson Leirner foi retirado de uma exposição no Museu de Arte Moderna por um juiz, com a conivência da direção do museu. É uma brutalidade para o pensamento artístico. Recentemente aconteceu a mesma coisa em outra instituição. Uma obra da Márcia X foi retirada porque correntistas do Banco do Brasil pressionaram a diretoria. Ou seja, há sim uma estratégia, pois são fundações que estão nas mãos de pessoas que não têm um projeto cultural, porque não são capazes de perceber que os artistas refletiram profundamente o que é o Brasil. Não é à toa que um pensamento como o do Hélio Oiticica fala de um Brasil possível a partir da poesia, da arte, e não do pensamento ideológico, como o exercido pelas pessoas que ocupam esses cargos.

Além do mais, o modo delas trabalharem não sintoniza com a forma que exerço minha profissão, ou seja, independente dos departamentos de marketing das empresas.

Folha - Essa peça exposta no Rio teve início em São Paulo, há dois anos...

Tunga - Isso, na galeria Millan. Era, então, minha peça mais recente, mas que apontava na direção que acho que resgatava algo de mais antigo em meu trabalho. Lá havia apenas uma peça central. Com o tempo, há uma depuração, e agora há três momentos.

Folha - A peça aborda a dicotomia natureza e cultura, com o cientista que se transforma em animal. Por que esse assunto?

Tunga - Para ser um pouco demagógico, mas nem por isso menos verdadeiro, eu tenho experiência, mundo afora, de referirem-se a um artista que vem do Brasil, da América do Sul, como tratando de questões de identidade, da busca de raízes. Eu canso de fazer a crítica a essas abordagens dizendo que o Rimbaud já disse que isso estava errado, que o sujeito moderno era justamente o sujeito dinâmico. Mas se há uma questão a se pensar, não é uma busca de raízes mas de origens. E essas origens vão também em direção ao fato biológico, por isso eu uso o fato biológico como metáfora. A metáfora da metamorfose, que aí está presente de forma evidente, pode ser generalizada e pode ser um instrumento para refletir uma questão precisa. A situação da cultura global aponta para uma grande crise relacionada à questão da identidade. O Brasil tem ampla experiência nessa questão. Pensar isso como quimera é tentar pegar o monstro pela cabeça.

Folha - Há 30 anos, você trabalha com a performance, com o corpo presente...

Tunga - Na arte contemporânea, interessam as experiências com o corpo em sua totalidade, não é apenas o olhar, mas o tato, o olfato, a presença, tudo aquilo que vai servir de constitutivo do sujeito. A linguagem corpórea é um dos momentos da formação dos sentidos do sujeito. Mesmo que ela não esteja codificada como a visual-verbal, ela pode ser tão bem elaborada quanto. A presença da Lia Rodrigues é exatamente para dar suporte nessa direção. E a performance é como colocar a obra à disposição da experiência.

Folha - Como é, então, esse trabalho de colaboração, com a Lia Rodrigues, por exemplo. Há liberdade para os bailarinos criarem, ou sua direção é precisa?

Tunga - Em minhas colaborações em geral, que são múltiplas e inúmeras, tenho como princípio que eu sei o que não quero. O que eu quero é aquilo que não consigo descobrir sozinho e aí entra a colaboração. Evidente que há identidade estética e de propósitos com o Artur Barrio ou o Thiago e o Matheus Rocha Pitta. Há fraternidade em se trabalhar junto.

Folha - O que motiva você a fazer arte?

Tunga - Acho que tudo nesse mundo, essa crise imensa do Ocidente, nos leva a dizer que a arte ainda é um caminho possível, que ela é uma trajetória, um modo de pensar, de transformar a realidade e de lidar com o núcleo do sujeito muito mais intenso, veemente e eficaz do que os outros modos de construção da linguagem. É muito mais fácil atingir milhões de pessoas num show, mas arte para mim é atingir o sonho e a estrutura simbólica das pessoas. Ela pode não ser numericamente expressiva, mas tem uma trajetória de sedimentação nas diversas culturas que mostra que ela é de fato transformadora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário