quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

"Ama tu ritmo", Rubén Dario


Ama tu ritmo, Rubén Dario

 trad. Antonio Cicero




Ama teu ritmo...


Ama teu ritmo e ritma tuas ações
sob sua lei, assim como teus versos;
tu és um universo de universos,
e tua alma uma fonte de canções.

A celeste unidade que supões
fará brotar em ti mundos diversos,
e, ao ressoar teus números dispersos,
pitagoriza entre as constelações.

Escuta essa retórica divina
do pássaro do ar e a noturna
irradiação geométrica adivinha;

mata essa indiferença taciturna
e pérola a pérola cristalina
engasta onde a verdade entorna a urna.

Rimbaud


Rimbaud

Fragmentos de Iluminações

III

No bosque há um pássaro, seu canto vos detém e vos faz corar.

Há um relógio que não soa.

Há uma catedral que desce e um lago que sobe.

Há uma pequena carruagem abandonada nas moitas, ou que desce a vereda às carreiras, engalanada.

Há um grupo de pequenos comediantes disfarçados, vistos na estrada pela beira do bosque.

Há, por fim, quando se tem fome e sede, alguém que nos expulse.

IV

Sou o santo, orando no terraço, — como os animais mansos pastam até o mar da Palestina.

Sou o sábio na cátedra sombria. Os ramos e a chuva se arrojam sobre a janela da biblioteca.

Sou o transeunte da grande estrada pelos bosques anões; o rumor das represas abafa meus passos. Vejo, longamente, a melancólica lixívia dourada do poente.

Eu bem seria a criança abandonada no cais que partir para o alto-mar, o pequeno servo que segue a alameda cujo final toca o céu.

As sendas são ásperas. Os montículos se cobrem de giestas. O ar é imóvel. Quão distantes estão os pássaros e as fontes! Isto só pode ser o fim do mundo, avançando.

V

Que me aluguem por fim esta tumba, branca de cal e com as linhas de cimento em relevo — bem fundo na terra.

Apoio meus cotovelos na mesa, a lâmpada ilumina vivamente estes jornais que só releio de idiota, estes livros sem interesse.

Numa distancia enorme acima da minha sala subterrânea, as casas se implantam, as brumas se reúnem. A lama é vermelha ou negra. Cidade monstruosa, noite sem fim!

Menos acima, estão os esgotos. Dos lados, nada senão a espessura do globo. Talvez os abismos de azul, poços de fogo. É nesses planos que talvez se encontrem luas e cometas, mares e fábulas.

Nas horas de amargura, imagino bolas de safira, de metal. Sou senhor do silêncio. Porque uma aparência de clarabóia empalidecerá no canto da abóbada?

Conto

Um Príncipe se envergonhava por jamais haver se dedicado senão à perfeição das generosidades vulgares. Previra espantosas revoluções no amor, e suspeitava que suas mulheres eram capazes de algo melhor que esta tolerância adornada de céu e de luxo. Queria ver a verdade, a hora do desejo e da satisfação essenciais. Fosse ou não uma aberração da piedade, ele o quis. Possuía ao menos um poderio humano suficientemente vasto.

Todas as mulheres que o haviam conhecido foram assassinadas. Que vandalismo no jardim da beleza! Sob o sabre, elas o abençoaram. Ele não encomendou outras novas. — As mulheres reapareceram.

Matou todos que o seguiam, após a caça ou libações. — Todos os seguiam.

Divertiu-se estrangulando os animais de luxo. Fez queimar os palácios. Arrojava-se sobre as gentes e as esquartejava. — A multidão, os tetos de ouro, os belos animais existiam ainda.

Pode alguém extasiar-se na destruição rejuvenescer na crueldade! O povo não murmurou. Ninguém ofereceu a ajuda de seus conselhos.

Galopava altaneiro certa noite. Um Gênio surgiu, de uma beleza inefável, inconfessável mesmo.
De sua fisionomia e de sua postura emanava a promessa de um amor múltiplo e complexo! de uma felicidade indizível, insuportável mesmo! O Príncipe e o Gênio se aniquilaram provavelmente na saúde essencial. Como não teriam podido dela morrer? Morreram juntos então.

Mas este Príncipe morreu, em seu palácio, em uma idade comum. O Príncipe era o gênio. O Gênio era o Príncipe.

A música erudita faz falta a nosso desejo.


Arthur Rimbaud, Uma temporada no inferno & Iluminações. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1982. Tradução: Ledo Ivo.

Rilke


Rainer Maria Rilke

Água apressada que corre – sem memória -,
que a terra distraída bebe,
duvida, só por um instante, na minha mão vazia,
lembra-te!
Claro e rápido amor, indiferença,
quase ausência que corre,
entre teu excesso de ficar e de partir,
tem arrepios de permanência.

in Frutos e Apontamentos
Relógio D´Água, 1996

"Mar", Sophia de Mello Breyner Andresen

Mar, Sophia de Mello Breyner Andresen




Mar


De todos os cantos do mundo

Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.



ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner.
Poesia I. Lisboa: Edições Ática, 1975.

"Seguidilla", Paul Verlaine


Seguidilla,   Paul Verlaine



Morena aún no teñida,
yo te quiero casi desnuda
sobre um sofá negro
en um salón amarillo
como em mil ochocientos treinta.

Casi desnuda y no tan desnuda,

um desnudo a través
de encajes que muestren
tu carne por donde va corriendo
mi boca que delira.

Yo te quiero muy sonriente

y mui dominante,
maliciosa y perversa y
peor si eso te gusta
pero tan lujuriosa!

Ah, tu cuerpo, que repose

sobre mim alma taciturna
y la ahogue, si puede,
si tu capricho lo desea,
más, y más, y más!

Espléndidas, gloriosas,

bellamente furiosas
en sus jóvenes retozos,
abates mi orgullo
bajo tus jubilosas nalgas!

Yeats

"o poeta pede aos sábios que venham do fogo sagrado, voltem para o reino da Natureza e se tornem os mestres cantores da alma do poeta", William Buttler Yeats

Rilke

"o canto significa a perda da personalidade numa nova unidade mais vasta do que tudo o que conhecemos", Rilke