LA DAME
Á LA LICORNE
Reaprender o mundo
Em prisma novo
Pequena bátega de sol a resolver-se
Em cisne,
Sereia harmonizando o universo
ANA
LUÍSA AMARAL, A gênese do amor
Podia ter-me guiado os passos para o café
assim me haviam dito
de ser poeta em Paris
ter um bloco de notas
de capa preta
um lápis e as palavras soltas
boina vermelha
as botas pretas um frio atento
a noite e as suas sombras
e estar ali ao abandono
do dia contra a noite
alinhar as palavras esquecidas
uma a uma as mais bonitas.
Podíamos ter trocado os silêncios
ou as histórias do sul e do norte
à vez entre sorrisos
e o ruído da rua
mas assim é Paris
Apanha-nos pelas veias
E foi preciso reaprender o gosto
o cheiro o toque os olhos
os sentidos todos
os fios de seda e lã
diante da senhora e do unicórnio azul
mon seul désir.
A mulher de palavras antigas
Moveu as mãos para amarrar o sol
Deixou na praia as marcas dos pés
Inventou um texto
Para cruzar as fibras.
Ardem de novo os lírios
No silêncio inquieto das dunas
Os rios de seiva engordam
A árvore dos velhos pelas raízes
A mulher das palavras antigas
Enche de água nova
as panelas
onde os espíritos se reconhecem
e matam a sede dos dias e das noites
A guardiã do fogo começa a vida
Pelos sete caminhos
Lê as palavras iguais
E começa de novo
A memória do tempo
Está inscrita nos seus gestos pequenos
Que tornam o avesso da terra
Tão perfeito como a ilha
Que se move lenta
Por dentro do cerco.
Assim se rasgam os dias
À força de vozes
Pequenas mulheres em fila
Recolhendo os peixes
Assim se inscrevem no mapa da noite
Os gritos das mulheres
O choro das crianças.
PAULA TAVARES
In COMO VEIAS FINAS NA TERRA
Lisboa: Caminho, 2010.